quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

SEM REBELDIA


Ela era noviça em tudo, muito pouco se tinha permitido aprender sobre a vida
Seu coração vivia em sobressaltos.
A cada sonho parecia ter tido pesadelos, não havia canção de ninar que a levasse a um sono tranqüilo. Da infância lembrava somente do "boi da cara preta" que viria lhe assustar e nunca conseguiu se desvencilhar nem da canção, nem do medo.
Se descuidava e perdia a cada esquina a surpresa que poderia encontrar, porque deixava de ver a simbologia que há na arte de viver, na penumbra, desconhecia o colorido da tela.
Dispensava as oportunidades do inusitado, que pode até nos tornar mais cautelosos em olhar o mundo, mas não nos impede de sonhar, e viver o minuto que precede o infinito.
Habitava na sua memória o esquecimento conveniente, e seu intelecto se atrofiava pelo medo de se arriscar nas possibilidades.
Não se dava conta da importância do endereço , da cidade, do lugar que poderia lhe servir de abrigo e morada. Nem sequer suspirava pelos segredos que inquietam, nem pelas verdades que transfixiam as mentiras.
Sumia de si própria, evitava confrontos e embaraços , e a sua sombra era tão medrosa que não fugia do clarão, permanecia inerte , estacionada permanentemente no lugar privativo que criara, enquanto o mundo girava.
Em uma rua imaginária se postava à janela, dava adeus sem ter de quem se despedir, fazia isso apenas para legitimar e contrapor a sua própria inércia , como se tivesse que provar a si mesma que existiu alguém em sua vida, além dela mesma.
Perambulava sem deixar marcas em portais ou umbrais, não imprimia pegadas nas estradas, caminhos ou veredas que passava, experimentava o morango sem identificar como ele se parece com um coração e nem o sentia tão doce como uma carícia.
Respirava sem suspirar, sorria sem gargalhar, falava dispensando o sussurro, lacrimejava mas não aprendeu a chorar, não reconhecia as perdas muito menos os ganhos, e se algum dia alegria a cercou, nem a percebeu.
Nunca soube que tinha forças para mover o mundo, o seu mundo.
Não tinha medo de morrer, então apressou a viagem, mas não antes de mandar um desconhecido escrever em uma lápide: Eu vivi!
Sete dias se passaram, não houve missa, ela não havia vivido, portanto, não morreu.

CRÉDITOS
Imagem e Texto
Lígia Beuttenmüller

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